Eu tenho de
pegar no papel. É assim com o jornal, que tenho de folhear, marcar com caneta
amarela, voltar, anotar, guardar aquela folha se for preciso.
É assim com
o livro, que eu tenho de amalgamar,abraçar, segurar, dormir por cima e, de vez
em quando, espiá-lo, onde ele estiver, na cômoda, no banco, na cama ,no chão e
suspirar, acariciar como a um amante.
O papel me
faz bem, assim como os cadernos, blocos, papeizinhos (guardanapos de bar, papel
de pão), anotações na bolsa, nos bolsos, na mesa, na casa, do lado do
computador.
Nada substitui
a caneta deslizando romanticamente pelas linhas do caderno ou bloco, ou até na folha
solta. Há um espaço sagrado milenar que é necessário respeitar quando se
escreve.
Escrevo
muito, por óbvio, no teclado do computador, que substituiu a minha Lettera 22 e, depois a IBM elétrica. Mas necessário para mim se faz
preservar o papel e o espaço criativo que se estabelece entre a caneta e a
linha, e que a máquina não substituirá nunca.
Não consigo
imaginar uma submissão escravizante a uma telinha de celular que tire de mim o
delicioso contato, olho no olho, mão na mão, corpo a corpo, voz, sensações,
cheiros, matizes, saberes que passam a fazer parte do que seremos a partir de
cada contato. Para isso, creio, estamos aqui nesta empreitada encarnatória,
tenho a certeza !
Não consigo
imaginar também eu digitando e caminhando na rua, tropeçando e esbarrando nas
pessoas, por que um email chegou ou um recadinho que eu não posso deixar de olhar.
O celular é minha ferramenta e não o contrário.
E assim vejo
também os aparelhos moderníssimos que ocupam os ouvidos e tempo das pessoas,
ilhando-as, especialmente quando estão em contato familiar, de amigos, lazer ou
fazendo seu esporte.
Como é que
se vai descansar se estamos desconectados do som da voz da criança ao nosso
lado, da esposa ou marido, do canto dos pássaros e do som melodioso dos passos
na calçada¿
E olhe que
uma de minhas matérias primas de trabalho é o som, a música, as notas musicais.
Porém, para caminhar ou correr e para meditar é preciso estar quieta, em
contato comigo mesma, e tenho de estar solta, com roupas leves, braços, olhos e
ouvidos livres, e livre de qualquer aparelho de qualquer natureza.
Isso não
quer dizer que em algum momento do dia ou da semana, não ouça música, mas aí
ela tem de ser caudalosa, andar pelas paredes da casa e do carro. Os fones, só uso
a trabalho, para uma nova música ou uma gravação em estúdio ou ensaio. Só!
Observo as
pessoas, principalmente a moçada, digitando febrilmente, rua afora, em todas as
horas, sem nem levantar os olhos.
Me faz
lembrar um dia quando retornei à cidade natal, sedenta de um abraço de uma
amiga de infância que eu não via há tempos. Ela digitava enlouquecida um grande
teclado cinza, pois os computadores
haviam chegado e eram a grande novidade. Ela preferiu ficar ali sentada onde
estava, sem esboçar nenhum olhar mais significativo, abraço ou aperto de mão, para
lembrar nossos folguedos infantis, depois de tanto tempo longe.
Parei, muda,
na soleira da porta e me retirei quieta
e perplexa, como uma intrusa, e me pergunto até hoje: onde está aquela
amiga-irmã que agora é só um quadro na parede da memória¿
Nunca mais
nos falamos direito e somos até ‘amigas’ na rede social, mas a parafernália
tecnológica consumista nos separou de fato.
Creio que
foi o Canal que falou da individualização perigosa para a qual estamos caminhando
e, daqui a pouco, vamos nos falar cada vez menos a viva voz e cada vez mais por
email ou watts, e chorar lentas lágrimas de saudade de nós mesmos e do que
somos de fato, e esquecemos.
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